Levando a aprendizagem do setor público para o próximo nível
Artigo foi traduzido por Thiago José Tavares Ávila, Superintendente, Secretaria de Estado do Planejamento Gestão e Patrimônio de Alagoas.
Este artigo de opinião foi escrito por Beth Noveck, professora de tecnologia, cultura e sociedade e diretora do Laboratório de Governança da Universidade de Nova York. Este artigo também foi publicado no GovLab.
As instituições públicas são frequentemente classificadas como ineficientes, inflexíveis e disfuncionais.
Existe um senso comum e generalizado, refletido nas taxas decrescentes de confiança no governo, de que o setor público está falhando em fornecer soluções mensuráveis para problemas públicos e que sejam voltadas para a melhoria da vida das pessoas. Com o aprofundamento da desigualdade e os crescentes desafios das mudanças climáticas e do futuro do trabalho, há uma necessidade urgente de sermos capazes de resolver os problemas com mais eficácia, mas também com mais legitimidade.
O desafio está menos relacionado com a nossa perda de confiança no governo do que a alegação de que o governo não merece nossa confiança.
Há uma percepção crescente de que, para que o setor público tenha um melhor desempenho, os servidores públicos precisam trabalhar melhor e de maneira diferente. Existe uma crescente lacuna de habilidades e atitudes quanto ao uso no setor público e no setor privado de métodos criativos de solução de problemas, possibilitados pelas novas tecnologias.
O DNA DO INOVADOR
Clayton Christensen escreve sobre o DNA do Inovador, não como um conjunto de práticas inatas, mas sim aprendidas mediante experiências e vivências que ajudam as pessoas nos a resolver problemas com mais eficiência nos ambientes corporativos. Assim, também no governo, precisamos identificar e investir nas capacidades e habilidades que tornam as pessoas mais eficazes na resolução de problemas públicos. Se o fizermos, podemos melhorar o funcionamento do governo, criando um governo mais eficaz e eficiente.
O líder público do século XXI – o empreendedor público – precisa de capacidades inovadoras e isso requer o desenvolvimento de novas habilidades, incluindo o know-how para definir problemas específicos e solucionáveis. O líder eficaz, de acordo com a OCDE, é capaz de aplicar práticas de design participativas para aprofundar a sua compreensão do problema, dialogando com as partes interessadas, ao invés de trabalhar a portas fechadas, em gabinetes.
O empreendedor público sabe como usar métodos analíticos de dados e tomada de decisão baseada em evidências, onde para isto, combina o uso de métodos qualitativos e quantitativos. É por isso que instituições como a Bloomberg Philanthropies investe no ensino de ciência de dados para funcionários públicos, bem como em habilidades de design, engajamento e outras inovações.
O empreendedor público, no entanto, faz mais do que definir o problema com as partes interessadas. Ele também aproveita a inteligência coletiva das comunidades e da sociedade, trabalhando de forma interorganizacional e intersetorial, usando métodos como inovação aberta e crowdsourcing para criar melhores soluções.
Para fazer as coisas, o empreendedor público aprende como implementar soluções mais rapidamente e medir o que funciona, geralmente construindo coalizões e parcerias.
TREINAMENTO PARA O FUTURO
Então, como desenvolvemos as melhores formas de trabalhar no governo? Como criamos um serviço público mais eficaz?
Governos, universidades e filantropos estão começando a investir no treinamento de pessoas dentro e fora do governo em novos tipos de habilidades empreendedoras para o setor público. Também estão inovando na maneira como capacitam estas pessoas.
O Canadá criou uma Academia Digital (Digital Academy) para ensinar alfabetização digital para todos os seus 250.000 servidores públicos. Dentre outras abordagens, eles criaram uma série de podcasts de 15 minutos, com a duração de viagens de ônibus, permitindo que os funcionários públicos aprendam no seu trajeto de casa para o trabalho.
Os melhores programas, como o do Canadá, combinam métodos on-line e presenciais. É isso que Israel faz em seu programa Líderes Digitais (Digital Leaders). Esse programa de nove meses alterna entre reuniões on-line e ao vivo, além de conectar alunos a uma rede global on-line de inovadores digitais.
Muitos países começaram a ensinar design centrado nos usuários para funcionários públicos, capacitando-os sobre como projetar e desenhar serviços com, e não apenas para, o público, assim como a WeGov atua no Brasil. No Chile, a Universidade Adolfo Ibáñez (UAI) começou um programa de ensino de habilidades quantitativas, oferecendo três dias intensivos em ciência de dados para servidores públicos. O GovLab também oferece um programa on-line bacana e gratuito chamado “Solução de problemas públicos com dados” (Solving Public Problems with Data).
APRENDIZAGEM NO SETOR PÚBLICO
Para garantir que o aprendizado se traduza em prática, o BizLab Academy da Austrália transforma estudantes em professores, usando ex-alunos de seu treinamento em design centrado nas pessoas como mentores para novos alunos.
As cidades de Orlando e São Paulo vão além do treinamento de servidores públicos. Orlando inclui pessoas da sociedade em geral em seu programa de treinamento para servidores e autoridades da cidade. Por estarem aprendendo a redesenhar os serviços com os cidadãos, a participação da sociedade aprimora o treinamento dos servidores públicos.
O programa São Paulo Aberta usa cidadãos como instrutores para os funcionários públicos da cidade. Mais de 23.000 deles estudaram com esses instrutores, que são leigos em administração pública, mas que possuem habilidades de inovação que são muito escassas no governo. Neste programa, servidores públicos são proibidos de atuar como instrutores.
Reconhecendo que não basta treinar apenas um inovador ou um cientista de dados em uma unidade, os governos estão ampliando e redesenhando seus programas de desenvolvimento e capacitação de servidores públicos.
O LabGob da Argentina já treinou 30.000 pessoas desde 2016 em sua Academia de Design para Políticas Públicas, com planos de expansão. Para cada aula ministrada, um funcionário público ganha pontos, pré-requisito para promoções e aumentos salariais no serviço público argentino.
Em vez de serem amplos, alguns programas de treinamento estão sendo aprofundados, ensinando habilidades de inovação específicas para cada tipo de negócio público. A Academia Digital do NHS no Reino Unido, realizada em colaboração com o Imperial College, é estruturada em uma série de seis sessões on-line e quatro ao vivo, projetadas para produzir líderes em inovação em saúde.
INOVAR NA BUROCRACIA
Em meu próprio trabalho no GovLab da Universidade de Nova York, estamos ajudando empreendedores públicos a levar seus projetos de interesse público da ideia à implementação usando técnicas de coaching, ao invés apenas de sessões de treinamento.
As aulas de treinamento podem ser maravilhosas, mas deixam as pessoas se sentindo abandonadas quando retornam às suas mesas para enfrentar o desafio de inovar dentro de uma burocracia.
Com orientação prática de líderes globais e apoio ponto-a-ponto, os programas de coaching da GovLab Academy buscam garantir que os servidores públicos obtenham a ajuda de que precisam para avançar em projetos inovadores.
Saber quais habilidades de inovação devem ser ensinadas e como ensiná-las, no entanto, deve depender de perguntar às pessoas o que elas querem. É por isso que a Escola de Governo da Austrália e da Nova Zelândia (Australia New Zealand School of Government) está administrando uma pesquisa com essas perguntas para os seus funcionários públicos.
DEZ RECOMENDAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DE EMPREENDEDORES PÚBLICOS
1. SEJA HÍBRIDO: desenvolva treinamentos presenciais e on-line.
2. ENSINE HABILIDADES QUANTITATIVAS E QUALITATIVAS: os melhores programas de treinamento ensinam habilidades digitais, de dados e design de forma integrada, em vez de exclusivamente uma ou outra.
3. TRANSFORME ALUNOS EM PROFESSORES: aproveite ex-alunos como mentores experientes.
4. IMPULSIONE A ESCALA: crie agências inovadoras treinando mais e mais pessoas em diferentes funções.
5. FOQUE EM INOVAÇÕES ESPECÍFICAS: ensine, aprenda e construa soluções de problemas públicos em diferentes papéis e perspectivas.
6. APOIE, NÃO APENAS TREINE: permita que as pessoas “tomem conta” de um projeto da ideia à sua implementação.
7. ENTREVISTE E ESCUTE AS PESSOAS: avalie o que as pessoas querem saber e como querem aprender.
8. TREINE CIDADÃOS E FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS JUNTOS: crie mais solucionadores de problemas públicos.
9. USE OS CIDADÃOS COMO INSTRUTORES: aproveite o conhecimento da sociedade para fortalecer a inovação.
10. ENSINE AS HABILIDADES PARA RESOLVER PROBLEMAS: fortaleça o empreendedorismo público e a capacidade de resolver problemas.
Fonte: Adaptado de The GovLab
Finalmente, porque o que importa não é quantas pessoas fazem um curso ou ouvem um podcast, mas o quanto essas habilidades de inovação contribuem para a sua capacidade de resolver melhor os problemas públicos. O Estado de Nova Jersey divulgou um programa de treinamento gratuito e on-line de empreendedorismo no setor público projetado para apresentar às pessoas as habilidades básicas para passar da ideia para a implementação.
Abrangendo dez tópicos iniciais, o programa inclui palestras, entrevistas com profissionais, leituras e auto-avaliações.
Em suma, investir em treinamento e aprender novas maneiras de trabalhar é imprescindível se quisermos responder aos desafios de nosso tempo e cultivar empreendedores públicos que resolvam problemas públicos. – Beth Simone Noveck
A professora Beth Simone Noveck é professora de Tecnologia, Cultura e Sociedade e diretora do Laboratório de Governança da Universidade de Nova York. Ela também foi vice-CTO e chefe da Iniciativa de Governo Aberto na Casa Branca do presidente Obama. Ela atuou como consultora do primeiro-ministro britânico James Cameron e da chanceler alemã Angela Merkel. Ela também atua como diretora de inovação do estado de Nova Jersey. Seu novo livro Public Entrepreneurship estará disponível pela Yale University Press em 2020.
*Thiago José Tavares Ávila é servidor e empreendedor público no Estado de Alagoas, Brasil. E professor em Sistemas de Informação e Administração de Empresas. Atua como Coordenador Nacional do Grupo de Trabalho para a Transformação Digital nos Governos Estaduais e Distrital do Conselho Nacional de Secretários de Administração do Brasil – CONSAD e da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Tecnologia da Informação e da Comunicação – ABEP-TIC.
Fonte: https://apolitical.co/empreendedorismo-publico-como-treinar-lideres-do-seculo-xxi/